R.I.P. Sapamurat Niyazov, 1940-2006
Devido à recente vaga de mortes entre figuras importantes do cenário político mundial como Saddam Hussein (ex-ditador do Iraque), Augusto Pinochet (ex-ditador do Chile) e James Brown (ex-ditador do ritmo), é mais ou menos compreensível que a morte de Sapamurat Niyazov, provocada por um cancro daltónico, tenha passado despercebida pelos media em geral. Afinal de contas, tem um nome complicado, e o Turquemenistão (a terra em que Niyazov nasceu, e o país que regeu por quinze anos) por enquanto é uma nação fraca, longe ainda de ter acabado a construção do seu exército de robôs com os quais irá eventualmente conquistar o mundo. No entanto, o NewsweakPorto acredita que será proveitoso para os seus leitores aprender quem foi Niyazov, quanto mais não seja para impressionar os amigos. Por isso, no período desde 21 de Dezembro de 2006 (data da morte de Niyazov) empenhou-se num extenso processo de pesquisa sobre o assunto, recorrendo a fontes obscuras como o Google, a Wikipedia e o Planet Rock Album Quis, os resultados do qual temos agora a honra de apresentar.
Requiem Pour Un Con – A Vida De Niyazov
Em 1962, Niyazov adquiriu, através do mercado negro, o seu primeiro disco: “Listen To Cliff!" do famoso Cliff Richard. A audição de temas como “We Kiss In A Shadow” e “Beat Out Dat Rhythm On A Drum” convenceu Sapamurat da decadência moral e estética da cultura capitalista – em consequência directa, junta-se ao Partido Comunista. Durante as décadas seguintes, Niyazov afirma-se como um político carismático, e quando em 1985 Muhammetnazar Gapurow é destituído do seu cargo de líder do Partido Comunista dos turcomanos da União Soviética devido a um escândalo (sexual?) relacionado com o algodão, é Niyazov o novo detentor do título.
Em 1991, com o colapso da União Soviética, Niyazov opta por tornar o seu adorado Turquemenistão uma nação independente, dando-lhe desde já uma constituição e candidatando-se imediatamente ao posto de presidente. Uma vez que ninguém consegue dizer não ao simpático aspecto de dono de tasca de Niyazov, este vence as eleições como único candidato, e instaura um regime de ditadura baseado no “sentimento nacional e étnico turcomano”. Alguns países e instituições internacionais refilam, mas não muito, porque sabem que se fizessem isso iam levar no focinho.
As inovações levadas a cabo por Niyazov a partir desta data e até à sua morte recente são demasiado numerosas para as listarmos todas. De certa forma, o seu currículo fala por si – afinal de contas, não é por nada que ele foi galardoado cinco vezes com o título de “herói do Turquemenistão” pelo seu próprio governo. Obviamente empenhado na educação política do seu povo, Niyazov facilitou a vida aos turcomanos baptizando vários monumentos, aeroportos e até um meteorito com o seu nome, impedindo assim que alguma vez esquecessem o nome do seu presidente. Por motivos pragmáticos, teve que abandonar a ideia de dar a todos os meses e dias da semana o seu nome, mas conseguiu solucionar este problema dando-lhes em vez disso nomes de membros da sua família, uma medida que anunciou na televisão, notando “this is for the homies that are no longer with us”. A maior honra, no entanto, foi reservada para a sua mãe, a inpronúnciável Gurbansoltanedzhe: para além do mês de Abril, o seu nome é também hoje a palavra turcomana para “pão”, o que explica as gigantescas filas à frente de qualquer padaria da nação. A nível económico, Niyazov soube tirar o maior proveito possível dos recursos naturais do seu pais – de facto, a riqueza mineral da nação até põe em causa a letra do hino nacional duma certa outra nação. A riqueza de gases naturais deu ao Turquemenistão o título de “nação privilegiada” no comércio com a União Europeia; em contrapartida, Niyazov acedeu a entrar num “diálogo sobre os direitos humanos”. Este mesmo diálogo foi conduzido através do MSN, e Niyazov demonstrou grande destreza no uso de emoticons e abreviações l33t, impressionando assim todos os representantes europeus e provocando um “ooh la la!” do membro francês.
Em 2004, uma campanha de panfletos contra Niyazov foi lançada na capital do país; apesar dos esforços das autoridades, não conseguiram suprimir de forma eficaz o dilúvio de propaganda. Tendo isto em conta, e tirando partido da moda dos “reality shows”, Niyazov decidiu despedir o seu ministro do interior e o comissário da polícia ao vivo na televisão, dizendo-lhes adeus com as palavras “não posso dizer que tenham tido grandes méritos ou feito muito para combater o crime”.
Niyazov, O Jurista
A legislação Niyazoviana começou por mostrar grandes semelhanças com os pensamentos daquele que poderá ser considerado a alma gémea de Niyazov, Eric Cartman. Assim, em 2001, baniu o ballet e a ópera, afirmando que “não pertencem à cultura turcomana” (um modo mais cortês de dizer que se trata de pandeleirice) e em 2004, proibiu os homens de deixarem crescer o cabelo e a barba, numa clara medida destinada a prevenir o aparecimento daquilo que Cartman chama de “godamn hippies”. Mas Niyazov também mostrou possuir uma faceta conservadora: em 2004, adicionou um “teste de moralidade” aos pré-requisitos necessários para a obtenção duma carta de condução, e em 2005, proibiu os vídeo-jogos por serem “demasiado violentos” para a juventude turcomana (a única excepção a esta regra verificou-se em 2006, aquando do lançamento do jogo ”Lego Star Wars II: The Original Trilogy”, dizendo Niyazov que “colocar um sombrero no Chewbacca é uma missão louvável para qualquer jovem turcomano”.)
De destacar ainda: a proibição de discos e playback; uma moção levada a cabo em Setembro de 2006 que obrigou todos os professores da nação a escrever artigos de elogio a Niyazov (quem não os conseguisse ter publicado num dos jornais turcomanos teria que contar com a diminuição do ordenado, ou até mesmo o despedimento); e o facto dos cães não poderem entrar na capital, uma vez que estes, segundo Niyazov “têm um odor desagradável”.
”Niyazov – Homem De Letras”
Na ideologia de Niyazov, a literatura é algo para um grupo selecto de pessoas – prova disto é que mandou fechar todas as bibliotecas rurais, porque “os camponeses não lêem”. No entanto, isto não o impediu de publicar uma vasta obra, destinada a elucidar o seu povo sobre a glória da nação turcomana. Felizmente, grande parte desta obra está disponível em inglês, através do site não oficial de Niyazov (o recurso a uma página Tripod espelha de certa forma o apreço Niyazoviano pela tradição e o cepticismo perante as inovações tecnológicas.)
O ”Ruhnama” (não confundir com Rhianna, que é a gaja que canta o “Unfaithful”) é a obra principal de Niyazov, uma dissertação sobre o papel histórico dos turcomanos leccionada em todas as escolas da nação. Trata-se dum livro erudito, com um tom talvez demasiadamente rebuscado para a redacção do NewsweakPorto (não nos teríamos importado se houvesse mais imagens e piadas escatológicas). Mas a obra do homem não acaba aqui: o site disponibiliza também dois poemas, o assertivo “They Said” e o assertivo “You Are Turkmen”:
Let's, O my heart, walk my heart. Let's look around our land.
With lions in its fields, the beautiful land of Türkmen,
Now the day has come for the poor, sad, brave, men,
You are the Türkmen, with such heroes like Jelaleddin.
Let's select a thousand-winged horse
And travel praying over her plains and mountains
And seek for the ancestors who became part of them,
And You are the Türkmen which hosts 360 saints
Na poesia de Niyazov, encontramos principalmente uma forte influência da epopeia – o poeta valoriza a veia épica, a declamação dramática e o non-sequitor (”with such heroes like Jaleleddin”). Não é de negar o poder inspirador das palavras de Niyazov – quem poderia alguma vez responder a frases como ”let’s select a thousand-winged horse” a não ser com gritos de deleite?
Avançando um pouco no poema, deparamo-nos também com a influencia de Tolkien:
Oguz is your forefather, and Gorkut is your master,
Your memory is the history of the sixty ages.
Your Garagum is your table and treasure,
Your provision is blessed, you are the prosperous Türkmen.
Nesta estrofe, Niyazov tenta claramente estabelecer uma ligação entre os turcomanos e os orcs, admitindo antepassados em comum (“Oguz” e “Gorkut”), e remetendo para o laço cultural que é a prática sexual do “garagum”.
Finalmente, o site também disponibiliza uma selecção de pequenos textos de não-ficção escritos por Niyazov. Aqui, encontramos Sapamurat em todo o tipo de estados de espírto: alegre (“SAPARMURAT NIYAZOV IS CONFIDENT THAT LIFE OF TURKMEN PEOPLE WILL BECOME MORE PROSPEROUS AND MEANINGFUL”, começa em all caps o texto euforicamente titulado ”We Have Great Plans For The Future”), abatido (”It Is Very Difficult To Build A State” é nome de outro texto), festivo (“Saparmurat Niyazov Congratulates Turkmenistanees on Occasion of Ramadan”), enigmático (“We Have Sold Fundamental Issues”?) e até cândido (“"Turkmenistan Will Consider Joining Eurasian Power Energy System in Future"”.) Todas as leitores com dúvidas acerca do seu estado de honra poderão consultar ”The Honour Of Women And Girls”, e quem quiser material de leitura recheado de suspense irá certamente deleitar-se com ”We Will Investigate The Coup Attempt In Strict Compliance With The Law”.
Sapamurat Niyazov está morto, Ringo Star vive. Olá, 2007.
“Ruhnama”
bibliotecas, textos escolares
Etiquetas: 12ª edição, Obituário
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